Os Fatos Pós-Emancipação Política (Conclusão)
Walter de Oliveira*
O artigo publicado sábado passado e o de hoje, trazem ao conhecimento do leitor, na essência, as alterações dos mandatos dos dez primeiros prefeitos de Bandeirantes, ou seja, de Rafael Antonacci (1935) a Ozório Gonçalves Nogueira (1947), ficando os registros das suas realizações para serem feitos – como as dos prefeitos que os sucederam até hoje – no livro que o autor está elaborando.
Na última e referida publicação, fomos até a descoberta pelos alunos do Curso de Redator Auxiliar da Escola Integrada de Ensino de 1º e 2º Graus de Bandeirantes, de uma reportagem do jornal “O Bandeirante”, do ano de 1949, resgatando um acontecimento político que, no modesto entendimento do autor, merece lugar de realce na nossa história: a coragem e a ousadia dos nossos conterrâneos de então de, em pleno regime ditatorial, elegerem, pelo sufrágio das urnas, o prefeito Eurípedes Mesquita Rodrigues.
Conta, em síntese, aquele artigo jornalístico, que dois grupos políticos disputavam a chance de governar o município na sucessão de Rafael Antonacci: Morcegos e Peludos (assim se identificavam). Antonacci patrocinava a causa do partido Morcegos, cujo candidato era o ituano Renato Sampaio, possuidor de fazenda no município e que era apoiado também por Jayme Carvalho, então dono da Fazenda Carvalhópolis e pessoa de muito prestígio no meio ditatorial curitibano, refletindo isso no seu prestígio aqui na Bandeirantes da época. O candidato do partido Peludos era o fundador da cidade, Eurípedes Mesquita Rodrigues, que gozava de grande estima junto à população e lideranças como Ozório Nogueira, João Cravo, José e Josué Aranha, Estevão Leite de Negreiros, Idalino Cipriano Carneiro, Pompeo Tomasi, Antenor Moretti, João Pavão, Pedro Belan, Amiral Henriques, Joao Afonso, José Gabeloni, Angelin, Antônio, Carlos, Luiz e Vitório Storer, Sebastião de Oliveira (Tiãozinho), Basílio Lucena e outros. Com dois concorrentes tão fortes, o resultado da eleição seria, como se falava à época, orelha por orelha (sic). Encerrada e apurada a votação, Eurípedes sagrou-se vencedor pela apertada vantagem de cinco votos. Por motivo ignorado e respaldado num decreto do Interventor Manoel Ribas, Rafael Antonacci não transmitiu o cargo para Eurípedes e sim, para o Secretário do Tesouro, Sr. Miro (sobrenome não citado na reportagem), mineiro de Teodoro Bonfant, que exerceu o cargo interinamente, até que o Tribunal Eleitoral do Estado desse o “veredictum” (sic), autorizando a diplomação e posse de Eurípedes, que se deu no prédio da prefeitura, uma casa de madeira situada na Avenida Bandeirantes, com a presença do juiz, Dr. Jacinto (sobrenome também não citado), do escrivão Aparício Severo Baptista e de muitos convidados, tendo discursado aos presentes o autor da reportagem (cujo nome também não é citado). Seguiu-se à posse um enorme espoucar de fogos de artifício, sendo grande a alegria em todos os cantos do município. Exceto, é claro, dos vencidos, que de forma alguma se conformavam com a derrota, tanto que Jayme de Carvalho, influente como era, aparece, dias depois, portando uma carta do Interventor Manoel Ribas sugerindo a Eurípedes a resignação (ou renúncia) do mandato.
Diz a reportagem que o assunto foi tratado no interior da Câmara Municipal e em caráter quase confidencial, mas o tempero cheirou demais (sic) e chegou ao conhecimento da população, que aos gritos de “não pode” e “não assina”, ameaçava invadir a Câmara e esmurrar (sic) os intrusos. Vendo a coisa preta (sic), Jayme Carvalho evadiu-se em seu carro sob vaias de “fora”, “fora”. “Somos a maioria, – gritavam – e não admitimos que tal se consuma”! Rugindo (sic), o farmacêutico Ernesto Fischer, um alemão gorducho, gritava que “não se tratava de quantidade e sim, de qualidade”, terminou também sendo vaiado. Mais tarde – conclui a reportagem – uma caravana sob o comando do anônimo autor da reportagem e de Antenor Moretti, e da qual só é citado o nome de Basílio Lucena (que o autor chegou a conhecer), foi à chácara, cumprimentar o prefeito, cuja abdicação não se consumou pela imposição do povo. E conclui a reportagem, “por muitos anos continuou o Sr. Eurípedes na prefeitura” (sic).
O autor encerra os fragmentos de hoje repassando a quantos o honram pela leitura destas linhas, um singular e curioso fato, o qual lhe foi narrado por Archimedes Ferreira, que foi, ao que o autor se lembra, o tesoureiro municipal com maior tempo de exercício nessa função e pessoa de grande honorabilidade, o que lhe granjeou muita estima e respeito junto à população. O autor esclarece que a narrativa do fato que se segue, ocorrido no primeiro mês da gestão de Ozório Nogueira e por ele protagonizado, nada mais é ou sugere que o registro de uma curiosidade histórica, embora emblemática de uma maneira de ser e ver de um homem público (que ele, Ozório, foi).
Contou Archimedes, que logo ao assumir a prefeitura, Ozório foi a Curitiba tratar de assuntos de interesse municipal, tendo ficado por três dias na capital. De volta à prefeitura, ele o chamou ao gabinete, lhe entregou um envelope e lhe disse: – Archimedes, some essas notas fiscais e comprovantes de pagamentos que fiz, os quais representam os meus gastos com a viagem a Curitiba. Archimedes contou que ao somar os comprovantes, eram eles, passagem de trem de ida e volta, pernoites no hotel e recibos de corridas de táxi, e nenhum comprovante do que o prefeito certamente gastou com alimentação. E prossegue contando: – Voltei ao gabinete e falei que não havia notas ou comprovantes do que ele, prefeito, gastara com alimentação naqueles três dias. Ao que Ozório respondeu: – Archimedes, eu lhe dei os comprovantes das despesas que o Ozório “prefeito” fez; essas despesas são da prefeitura. Quanto às despesas com minha alimentação, essas são minhas; decorrem de necessidades do meu organismo. E concluindo, Archimedes conta: – Dito isso, Ozório abaixou a cabeça e voltou a despachar, e eu voltei à minha seção, pensando comigo mesmo, que homem esquisito esse “seo” Ozório.
Ozório Nogueira viveu em Bandeirantes de julho de 1930 a março de 1962, quando, por questões de ordem estritamente familiar, mudou-se para São Sebastião (litoral paulista) e de lá para São José dos Campos/SP, onde findou seus dias.
* Walter de Oliveira, 88, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932.