Águas Yara – A “Deusa Das Águas”

(Terceira parte)

Walter de Oliveira*

Retornando aos fragmentos da nossa história, o autor se impõe a obrigação de fazer duas correções relativas a erros ocorridos no artigo anterior, a saber: a primeira, corrigindo de Lucília para Lucila o nome da moradora e proprietária da casa onde outrora residiu o Professor Mailon Furtado de Medeiros e a segunda – a qual o autor deve à oportuna observação do leitor André Henrique Castanho Sabaini, a quem agradece – para esclarecer que Guilherme Sachs jamais foi sucedido em sua função administrativa por Waldemar Sachs (respectivamente, avô e tio do leitor André Henrique), eis que Waldemar faleceu antes de Guilherme, que ao falecer, foi sucedido em suas altas funções nos negócios locais de Regalmuto por Antônio Portugal. À oportunidade o autor pede aos seus ilustres leitores a gentileza de acusarem eventuais erros que venham a constatar nos relatos em andamento, o que muito o ajudaria nessa gratificante, mas nada fácil, tarefa de resgate da nossa história.

Engarrafamento da água era feito automaticamente, em copos plásticos de 200 ml e em garrafas de vidro de 600 ml ou 2,5 litros

Continua-se então os fragmentos históricos sobre a Águas Yara, a partir do inesperado banho que o forte jato d’água esguichado do poço em perfuração deu em quantos estavam no seu entorno, incluindo Domingos Regalmuto. Pois bem, a partir do festejado emergir daquela água, “seo” Domingos precisava saber o que ela representava em termos de qualidade: se uma simples água de subsolo profundo ou uma água até de rara qualidade. Isso quem poderia dizer seria somente uma análise laboratorial e nesse caso, feita em laboratório do próprio DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral), do Ministério das Minas e Energia. Aliás, o mesmo órgão ao qual Regalmuto já havia protocolizado pedido de Pesquisa de Lavra, primeiro passo para obtenção da anterioridade no direito à exploração de um produto do reino mineral. Mal passados dois meses do recebimento da amostra para análise, o laboratório do DNPM já emitiu o respectivo laudo, cujo resultado foi um justo e merecido prêmio à iniciativa investigatória de Regalmuto, pioneira no norte do Paraná. Contava o escriturário Izidoro Pinilha nas rodas de amigos, que ao ler o teor do laudo, Regalmuto trocou a sua postura austera e circunspecta pela euforia e exultação de um estudante aprovado em vestibular. Dizia o laudo que a água analisada se classificava como hipotermal, magnesiana, bicarbonatada e cloro-sulfatada. Bingo, novamente na aposta de Regalmuto!

A partir daí “seo” Domingos somava mais uma e importante atividade às tantas outras a que já se dedicava e sua acurada visão empresarial já antevia os frutos que ele poderia colher nas diversas alternativas no campo hidrotermal. Todavia, e em meio a tantos e excitantes acontecimentos, ele se deu conta de um importante detalhe do qual se esquecera: o nome de sua água. Regalmuto começou então a indagar qual seria o nome ideal: “Santa Beatriz”, “São Domingos”, “Bandeirantes” (?) – respectivamente em homenagem à esposa, a si mesmo ou ao município de localização da jazida. Nenhum desses nomes conseguiu entusiasmá-lo. E foi então que “seo” Domingos confiou essa importante escolha à fértil e criativa imaginação do cartunista Péricles de Andrade Maranhão, um jovem pernambucano radicado na cidade do Rio de Janeiro e nada menos que o criador do personagem humorístico “O Amigo da Onça”, imortalizado nas páginas da revista semanal “O Cruzeiro”, de circulação nacional e a mais lida nas décadas de 1940 a 1960. Foi, pois, Péricles, quem deu à água de Domingos Regalmuto o nome Yara, designativo da mitológica “Deusa das Águas”.

Enquanto Péricles matutava qual nome daria à água paranaense, Regalmuto requeria ao DNPM o direito de lavra (autorização necessária para se explorar produtos do subsolo), o qual lhe foi deferido conforme o Decreto Federal nº 2.320/43, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas. A partir daí o “Campinho” (nome pelo qual, sem se saber o porquê, o povo se referia àquela região) era um ir-e-vir sem fim de gente derrubando árvores e tratores de esteiras abrindo estrada e espaço para a construção de casas e galpões de apoio logístico aos projetos que, até ali, somente Regalmuto sabia quais eram. Conquanto fosse qual um dínamo ambulante, Regalmuto, como os leitores viram na escolha do nome para a água, jamais tomava uma decisão aleatoriamente ou ao sabor do acaso. Suas ideias, embora vistas às vezes como extravagantes e/ou muito ousadas, ou se referiam a iniciativas semelhantes e já levadas avante com êxito, em outras regiões ou, se inéditas, jamais as executava sem que fossem prévia e criteriosamente avaliadas por profissionais habilitados no assunto. E foi segundo esse diapasão que Regalmuto, já oficialmente autorizado para explorar a água que agora todos conheciam por “Água Yara”, mandou construir todas as edificações adequadas à instalação dos mais modernos maquinários e dispositivos de engarrafamento que ele já encomendara, e após tudo pronto e funcionando, ele lançou a sua água à venda.

O engarrafamento da água era feito automaticamente, em copos plásticos de 200 ml e em garrafas de vidro de 600 ml ou 2,5 litros, cujos invólucros eram envolvidos por rótulos artisticamente concebidos e nos quais, além da indicação dos respectivos volumes do produto neles contido, tinha também a composição química provável. Era destaque nesses rótulos a bela estampa da mitológica deusa Yara, postada sob o chafariz de uma ainda projetada piscina, do qual a água emergida caia sobre o seu escultural corpo, protegido apenas por longos e negros cabelos anelados. Na parte inferior dos rótulos lia-se o slogan que ficou famoso naqueles tempos: “BEBER ÁGUA YARA É BEBER SAÚDE”.

 (Continua na próxima edição)

* Walter de Oliveira, 89, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui