Meu Pai Meu algoz conta a história real de uma garotinha que começou a ser abusada pelo pai aos três anos
Regiane Romão
O pai é a figura de proteção para a criança. Porém, em alguns casos o pai se torna o motivo de terror e lágrimas. Quando o homem que deveria proteger se torna um algoz, o trauma causado nos pequenos pode se tornar irreversível.
Uma menina, filha do meio de uma costureira e um ex-policial viveu por anos o terror de ser abusada por aquele que chamava de pai.
Sandra Romão Gallis, hoje, um homem trans, conta em 177 páginas a sua história de abusos e sofrimento no livro ‘Meu pai Meu algoz’.
O livro relata detalhes de abusos e o terror vivido por uma criança, que como tantas outras, na sua inocência, não sabia o que era aquilo, e muito menos como lidar com a situação.
Relatos fortes de uma pessoa que passou por horrores durante a infância e adolescência, contudo, nunca perdeu o amor à vida e nem deixou que isso o levasse a desacreditar neste sentimento sublime.
Sandra Romão Gallis, que atualmente atende pelo nome de Brunno Romão contou, ao jornal Folha do Norte sobre a sua experiência como escritor e quais os motivos o levaram a contar a triste história que viveu.
Jornal Folha do Norte: Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Brunno Romão: Já tinha essa ideia antes, há uns 20 anos, até falei para uma escritora amiga minha na época. Ela disse que me ajudaria, mas não tive coragem. Um belo dia decidi contar a minha transição, mas percebi que não podia fazer sem antes dizer como BRUNNO realmente nasceu e a quanto tempo ele nasceu. Para isso, precisava contar a história da Sandra Gallis. Tentei escrever em 2019 e percebi que ainda não conseguia. Comecei com os hormônios e pensei: vou fazer terapia. Fiz cinco meses de terapia focando na escrita do livro. Procurei novamente minha amiga escritora Shirley Queiroz que me ajudou, me incentivando, senti que estava pronto. Então BRUNNO começou a escrever a história real da Sandra.
JFN: Teve alguma coisa que você não conseguiu contar ou que mudou um pouco para não chocar tanto?
BR: Pelo contrário, contei tudo e sei que o livro está bastante impactante, pois não deixei para trás os momentos mais doloridos. Foi tudo o que tive força e vontade de contar. Tenho isso também como um dever.
JFN: Alguma vez você pensou em tirar a vida por conta dos abusos?
BR: Não tirar a vida, mas eu tinha uma ideia fixa que morreria com 15 e 16 anos! Era tão nítido isso que parecia real! Sempre dizia que morreria muito cedo.
JFN: Em um trecho do livro você cita uns problemas de saúde desenvolvidos por causa dos abusos (durante a sua infância), eles melhoraram?
BR: Sim, depois que fui morar com a Rita, a mãe preta. Um ano depois não sentia mais e já conseguia dormir à noite toda sem precisar acordar gritando! Na casa dela creio que acordei assim umas quatro vezes, depois não mais. Criei um mecanismo para viver, dizia para as pessoas que meu pai já havia morrido, eu era muito pequena e não lembrava dele.
JFN: E sobre o livro, em algum momento você se arrependeu?
BR: Me arrependo de ter vivido o que vivi. Mas me sinto bem por ter conseguido escrever e colocar tudo no papel.
JFN: Alguma vez você se culpou pelos abusos? Você chegou a pensar, se eu fosse diferente ele não faria isso?
BR: Sim. Na época e até hoje sinto culpa, que ainda trato com a psicóloga. Não. Desde novo queria usar roupas masculinas, sempre achei bonitas e mais confortáveis. Gosto de ser do gênero masculino.
JFN: Qual foi a parte mais difícil de escrever o livro?
BR: Não consigo e nem gosto de falar sobre os abusos e os detalhes, porque foi um ‘parto’ para escrever estas páginas. Depois do livro pronto, só faltava publicar. Levei dois meses para isso, pois não conseguia; porque lembrava do que escrevi sobre os abusos que me travava na publicação, chegando a ponto da escritora Shirley Queiroz me chamar de covarde de homem frouxo. Aí fiquei com raiva e publicamos no mesmo dia. Mas depois veio um alívio de missão cumprida! Agora me sinto leve, vazio e cheio de esperanças boas. Feliz.
JFN: Como era a sua relação com a sua mãe?
BR: Sempre tive muito amor pela minha mãe. Antes, durante e depois de estar em casa. Nunca senti raiva. Sempre senti amor sempre. Depois da doença dela ficamos ainda mais próximos, porque antes ela era muito apegada a Márcia (minha irmã mais velha). Mas com o câncer a Márcia sofria demais e não conseguia cuidar dela. Eu sempre cuidei. Mesmo antes com os abusos não conseguia sentir raiva dela. Só amor. Quando era mais novo, nós falamos pouco. Eu sempre fui muito levado e ela sempre ajudando a me livrar das encrencas que eu arrumava. Ela trabalhava muito, quase não tinha tempo de dar carinho de mãe.
JFN: Você seria capaz de perdoar o seu pai?
BR: Nunca o culpei de nada. Não tenho este sentimento dentro de mim. Eu o amo. É meu pai sempre será. Depois que ele morreu fiquei tão feliz, mas tão feliz que dizia as pessoas com orgulho que meu pai tinha morrido. Era uma felicidade dentro do meu peito. Como se a morte dele fosse o renascer de pai dentro de mim. Não penso no que ele fez, como ele fez sendo ele. Não consigo ter raiva dele. Só tinha raiva dele e tenho ainda quando lembro que batia na minha mãe, mas, fora isso, não penso em nada.
JFN: Hoje, quem é o Brunno Romão?
BR: Um adolescente com 17 anos, barba nascendo, espinhas pelo corpo todo, e uma libido nunca vivida antes. Cheio de vida, louco para viver, amores e desamores. Livre, de peito aberto, sem camisa. Feliz, de voz grave, só sinto de não ter 20 anos a menos. Mas acho que isso, todas as pessoas que chegam aos 50 sentem. Feliz de ver no espelho a cada manhã quem eu estou me tornando. Hoje, só sei dizer que eu, Brunno Romão, é como pessoa, a versão mais bela, interessante e feliz da minha vida! Não imagino ser outra pessoa, ou melhor, ter outro estereótipo que não seja esse hoje.
JFN: E quem foi a Sandra Romão?
BR: Hoje é como se ela nunca tivesse existido. Foi só um corpo com uma roupa que serviu para a chegada de BRUNNO ROMÃO. Nunca gostei dela, não achava bonita e nem tão pouco atraente. Não gosto de pensar nela.
JFN: Se você pudesse olhar nos olhos da Sandra, o que falaria para ela?
BR: Obrigado por me deixar nascer e ser quem eu realmente sou. Pode deixar que vou viver bem por nós dois agora, e só farei aquilo que me deixar feliz.
JFN: Qual mensagem você deixaria para quem sofre abusos. O que o Brunno diria para essas pessoas?
BR: Tenha coragem e divida esse sofrimento com alguém. Você verá que ficará tão leve que não deixará de existir, mas deixará de sentir. Só quem passa sabe o que estou dizendo; não guarda para si o que não é seu, e nunca será. A culpa não é sua. Deixe que o culpado pague esta conta que nunca foi e nunca será sua. Agarre sua vida com as duas mãos e não deixem que vivam a sua vida do jeito que você não quer viver. Ame ser livre acima de tudo.
O livro pode ser encontrado na página do Clube dos Autores (https://clubedeautores.com.br/livro/meu-pai-meu-algoz-3), e também nas plataformas digitais.
Parabéns pela sua coragem, Deus te abençoe mt e agora só ser feliz Livre S2, um dia terei coragem tb 🙂
Parabéns Bruno, você não imagina como fiquei feliz quando recebi essa notícia. Você merece toda a felicidade do mundo. Muitos abraços e beijos.
Forte, mas muito necessário… obrigada por ser este ser humano tão lindo e com uma grande e admirável capacidade de amar!
Sabe quem é brunno romao …. aquele primo mravilhoso é tenho um orgulho de dizer wu tenho um primo trans. Te amooooo
Realmente vc Brunno Romão está na sua melhor versão dentro e fora. Te amo.meu amigo. Mônica Reina
VIU BONITINHO? EU NÃO DISSE QUE VOCE ESTAVA PRONTO? EU NAO DISSE QUE VOCE PODIA?
Muito obrigado, sempre um grande elogiou vindo de você uma escritora experiente, já com tantos livros escritos! Muita gratidão do seu eterno amigo!