Interior da Padaria e Confeitaria Lucena. De terno, à direita, o pioneiro João Lucena, ao centro o seu sobrinho David e à esquerda o seu irmão Basílio Lucena (foto enviada por sua filha Cleuza).

SEXAGÉSIMA TERCEIRA PARTE

Walter de Oliveira*

Continuando os registros dos nossos pioneiros do povoado da estação (anos 1930/1950), lembramos a quantos nos acompanham neste trabalho de resgate da história, que estamos já indo para o final da listagem daqueles que se ocupavam do ramo de “panificação” ou “padarias”, e interrompemos o relato anterior quando começávamos a contar um fato nos envolvendo, que para nós foi literalmente providencial, e cujo protagonista foi o pioneiro Vicente Luiz Duarte.

Como dizíamos no final do artigo anterior, éramos motorista de um caminhão que puxava toras da mata da Fazenda Cascata, então pertencente a Vicente Falco Papa (este já listado como pioneiro no ramo de compra, beneficiamento e venda de arroz e café). Embora fôssemos motorista, cumpria-nos, às vezes, ajudar na “derrubada” da árvore e no seu seccionamento em “toras”, que depois de encarretadas, levávamos para a serraria. E foi numa dessas “operações de derrubada”, que um galho (por sorte pequeno) desprendeu-se da copada de uma peroba e nos atingindo na testa, arremessou-nos à distância de alguns metros, onde caímos já desmaiado, estado em que nosso ajudante nos botou em suas costas e – quase um gigante que era – correu conosco até a casa sede da fazenda, distante a uns três quilômetros da mata (nem o ajudante e nem os dois “serradores” sabiam dirigir e por isso não nos levaram de caminhão).

Ao final daquela tensa e acelerada caminhada, os nossos sessenta quilos de peso já chegavam a cem, mas ainda assim, Odilon Francisco da Silva (nome do ajudante e amigo de juventude) não admitiu partilhar a penosa tarefa de nos carregar, não obstante a insistência dos dois “serradores” em ajudá-lo. Era já hora da Ave-Maria, quando Odilon nos deitou, ainda desmaiado, no assoalho do alpendre da sede da fazenda, que não dispunha, no momento, de nenhum veículo para nos socorrer, eis que os donos estavam ausentes. Foi nesse momento, quando começávamos a recuperar a consciência, mas ainda sem lembrar ou entender o que estava acontecendo (ou havia acontecido), que se deu a providencial chegada do pioneiro Vicente Luiz Duarte, dirigindo a sua “ximbica” (nome popular que se dava aos pequenos veículos motorizados de transporte de mercadorias) trazendo os pães e outros itens que a fazenda comprara na sua padaria.

Feita a entrega, “seo” Duarte se apressou em nos acomodar (nós e o nosso cuidadoso ajudante) na pequena cabine, e os dois “serradores” na carroceria, e tocou para a cidade, indo direto para a Santa Casa, onde, pela urgência do caso, fomos pronta e competentemente atendidos. Para confirmar a nossa “sorte”, estava de plantão o ainda jovem médico Abraham Kacman, cujo atestado da sua competência na cirurgia plástica, é a total ausência de cicatriz em nós, dos quinze duplos pontos dados por ele na região frontal da testa. Para reforço do que ora dizemos, anos mais tarde o doutor Kacman tornou-se um dos mais conceituados nomes na cirurgia plástica nos Estados Unidos.

Escusem-nos os diletos leitores por nos alongarmos nesta narrativa e pela excessiva conjugação do ego, mas o fazemos em nome do sentimento de gratidão que nos domina sempre que lembramos ou nos referimos ao “seo” Vicente Luiz Duarte e ao nosso amigo Odilon. Voltemos agora à listagem dos pioneiros no já referido ramo.
i) João Francisco Lucena, ou João Lucena, como era conhecido. Esse pioneiro foi o primeiro dono do “Bar Paraná”, que era à época “Bar e Padaria Lucena”, e que depois o venderia ao “Michelão” (pai da professora Maria Kalil).

Era um estabelecimento que reunia bar, confeitaria e padaria. Esse pioneiro foi, também, e segundo o que nos ocorre, o primeiro a lidar com apicultura em Bandeirantes, e o seu apiário ficava no chamado “Campo de Experiência”, uma área de 15 alqueires pertencente à prefeitura, e que ficava à margem direita da estrada para Itambaracá, logo após onde hoje está a empresa Zenaplast. O Bar, Confeitaria e Padaria Lucena ficava onde é hoje o Lojão do Queima, na esquina da Avenida Bandeirantes com a rua Benjamin Caetano Zambon. Depois disso, o “seo” Lucena se estabeleceu com “padaria”, que ficou conhecida como “Padaria Bengala”, a qual foi mais tarde e já fora da época dos pioneiros, vendida para Renato Delben.

Conhecida mais pelos longos anos que pertenceu aos irmãos Roberto e Renan Moura, ela se situava na antiga rua Goiás, hoje Frei Rafael Proner. Esse pioneiro já foi citado como pioneiro de “confeitaria” (décima nona parte desses “fragmentos”), quando, porém, não fizemos menção da sua atuação como apicultor, atividade não contemplada nos registros do livro de Solano Medina. Os seus demais dados pessoais, não os repetimos por já constarem dos registros anteriores.

Encerrada, por ora, a listagem dos pioneiros no ramo de “padarias” (dizemos por ora, porquanto poderão surgir informações de outros no ramo), vamos agora listar os nomes de três pioneiros, que faziam a alegria das crianças da época (e por que não de hoje?), que eram os vendedores de “pipoca”; as salgadas e as doces. São eles: a) Benedito Pereira de Almeida, b) Benedito Monte Sião Filho, e c) Tercino de Oliveira Souza. Dos três, o primeiro e o terceiro, temos apenas os seus nomes, cuja citação é, por ora, a única homenagem que o nosso trabalho lhes presta.

Quanto ao segundo, Benedito Monte Sião Filho, temos muitas referências a registrar. E não apenas nós, mas a grande maioria da população de então, da qual, senão cem, oitenta por cento conheceu o “seo Dito Pipoqueiro”, como ele era conhecido e chamado. Pessoa alegre e atenciosa, e dos mais antigos moradores da rua João Francisco Ferreira (próximo da Igreja Assembleia de Deus), onde ainda hoje mora sua filha Célia. O ponto de venda onde ele ficava com seu carrinho de vitrine e a sua máquina de “estourar pipoca”, e que ajudou a popularizá-lo, foi o Cine Clipper, primeiro lugar a mostrar outros mundos para os bandeirantenses (um favor que Bandeirantes sempre deverá ao grande e ilustre homem que foi o médico Mário Amaral Pacca). Mesmo sob chuva e frio, uma hora antes do início da sessão que levaria o filme, já se podia comprar as deliciosas pipocas do “seo” Dito, que de outras melhores na cidade, não se ouvia falar. Assim, por muitos anos, ele foi sim “o cara” que entendia como prender a clientela pela qualidade do seu produto. “Seo” dito foi casado com dona Sebastiana Rita Pereira e o casal teve os filhos Alcides, Maria, José, Zelinda, Sebastião, Cleuza, Marta e Célia.

Continua…

* Walter de Oliveira, 92, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932

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