ÁGUAS YARA – A “DEUSA DAS ÁGUAS”
(Quarta parte)
*Walter de Oliveira
Retornando a narrar os fragmentos históricos de Bandeirantes, o autor primeiramente lembra a quantos o têm honrado com sua gentil atenção, que ainda por algum tempo estes artigos estarão voltados para as Águas Yara, por ser a sua história tão longa quanto incomum. O relato de hoje começa do pós-lançamento da Água Yara no mercado, que inicialmente não teve o sucesso que seu dono, Domingos Regalmuto, esperava. A água, devido ao seus estranhos cheiro e sabor (decorrentes da sua composição química), não agradou o paladar do consumidor, geralmente habituado a beber águas minerais alcalinas, ou as chamadas “águas de mesa”. Mas o problema – e Regalmuto o sabia – não era insolúvel, e chamando à ação o seu competente departamento de “marketing”, preparou e lançou uma massiva e persuasiva campanha publicitária que aos poucos foi apresentando resultado positivo e em alguns meses de campanha tamanha era a aceitação da água que o setor de engarrafamento não conseguia, em certos dias, vencer as vendas que eram feitas.
Superado o contratempo inicial, eram caminhões e mais caminhões saindo e levando a Água Yara para todas as cidades do Norte do Paraná, cidades paulistas mais próximas e também para São Paulo, cidade de Regalmuto. Este, diante de toda aquela movimentação se sentia no melhor dos mundos, sobretudo pelo substancioso e contínuo aumento dos seus saldos bancários. Como já era de se esperar, esse positivo e animador cenário teve o efeito de um poderoso insumo na mente de Regalmuto, desde o berço fértil e criativa. Ele, como sabemos, natural da milenar Itália, conhecia e certamente frequentara famosas e sofisticadas estâncias hidrotermais do continente europeu e a ideia de criar algo semelhante nesta região que ele já tanto amava o perseguia diuturnamente. Mas, como dito antes, apesar de ser idealista dos mais ousados, ele era também um fiel adepto do pragmatismo e sabia, por experiência pessoal, que independentemente de tudo que uma estância hidrotermal e/ou cidade balneária (esta, quase sua obsessão) oferecesse aos seus frequentadores, a sua maior força de atração de público estava em sua água, na qualidade mineral do lençol freático de que ela emerge e, sobretudo, se contasse com respaldo científico dos seus benefícios para a saúde de quem a consumisse. Veja o leitor, a seguir, a agudeza e o atilamento de visão de Regalmuto para a comprovação dos sobreditos benefícios.
À busca dessa autêntica e insuspeita comprovação científica ele viajou para Curitiba, onde se reuniu com o professor doutor Archimedes Cruz, lente catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, a quem expôs a sua demanda e o professor, finda a reunião, aceitou a incumbência de proceder aos estudos e análises laboratoriais que resultariam ou não na perseguida comprovação científica. Seguiu-se a coleta da água por técnicos da própria universidade e, após isso, foram feitos os necessários testes em laboratório, nos quais se injetava a Água Yara em tecidos orgânicos lisos e estriados e de outras naturezas (útero de coelhas, coração de sapos e outros). O trabalho científico recebeu o nome de “Estudo Farmacodinâmico da Água Mineral Yara” e após feitos todos os testes laboratoriais e à vista dos seus resultados, o laudo final concluiu que “a água mineral Yara tem ação sobre a musculatura lisa, sobre a circulação sanguínea e sobre a fadiga muscular” (recomendada no tratamento de pacientes hipertensos), e finalizou dizendo que “por sua composição química e demais características físicas a Água Mineral Yara se compara à de Karlsbad na extinta Tchecoslováquia” (hoje Repúblicas Tcheca e Eslováquia).
A essa altura dos acontecimentos e com motivos de sobra para comemorar, Domingos Regalmuto passou à ação imediata voltada para uma de suas mais ousadas realizações. Viaja então a São Paulo e em seu escritório da rua Domingos de Moraes, se reuniu com os diretores e técnicos da Planurba S.A., empresa especializada em projetos de urbanização e correlatos e lhes expôs o que tinha em mente: fundar (usando suas palavras) “no coração da mais rica região do Brasil, a 1ª Cidade Balneária do Norte do Paraná”, a CIDADE YARA. Terminada a reunião – que consumiu o dia inteiro e noite adentro – os arquitetos, engenheiros e também o departamento de “marketing” e vendas da Planurba se comprometeram a, num prazo de 30 dias, apresentar a Regalmuto um pré-projeto do megaempreendimento, no qual Regalmuto recomendou que sua primeira parte contemplasse a construção da piscina e hotel, ambos de tamanhos que comportassem grande número de frequentadores. Com a apresentação do pré-projeto no tempo combinado, Regalmuto e Planurba ajustaram valores dos serviços, assinaram contrato e o carro foi botado no caminho.
A piscina (50m x 60m e profundidade variada), alimentada por um chafariz central, que como todos sabem, é uma das maiores de toda a região, ficou pronta na primavera de 1945, depois de 180 dias de árduo e competente trabalho dos seus construtores (tanto que são 76 anos de uso, recebendo 500 mil litros de água em 24 horas e ali está, como foi feita). O hotel, com 10.248m2 de área construída, tendo 200 apartamentos, refeitório, salão de festas, serviço de bar, cozinha, lavanderia e etc., foi entregue no final do ano de 1948. Contava o funcionário do escritório, Izidoro Pinilha Montoya, que às dez horas de um ensolarado domingo da primavera de 1945, Paulo Domingos Regalmuto Coffa – homem de porte atlético – usando um clássico calção de banho, após correr alguns passos sobre a borda da piscina e sob os aplausos da esposa, D. Beatriz e de uma multidão de pessoas que ali se acotovelavam, se atirou naquelas cristalinas águas e com vigorosas braçadas nadou até o chafariz no centro da piscina. Dali, sorridente, Regalmuto acenava para a multidão e como previamente combinado com seus funcionários, começou um demorado espoucar de fogos de artifício e assim foi dada por inaugurada a piscina da Águas Yara, de tantas e inesquecíveis tardes de prazer e alegria – hoje e por enquanto, apenas na recordação.
(Continua na próxima edição)
* Walter de Oliveira, 89, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932.