Dr. Benedictus Mário Mourão e sua primeira esposa, Lourdes Barbosa Sandoval

Águas Yara – A “Deusa das Águas”

(Décima Segunda Parte)

*Walter de Oliveira

Dizíamos no artigo de quarta-feira próxima passada que a nossa estada no balneário de Águas da Prata/SP, embora curta, foi das mais proveitosas, porquanto foi ali que encontramos a ponta do fio da meada que nos levou ao êxito da difícil missão que o prefeito Jamil Fares Midauar nos confiou no decorrer do jantar em Yara: achar uma fórmula que chegasse ao asfaltamento da estrada para aquelas termas. Falar hoje sobre esse assunto, quando aquele asfalto está feito há mais de quarenta anos, já não causa admiração em ninguém, podendo, para muitos, soar até como coisa banal ou de somenos importância. Aliás, coisa das mais fáceis é a gente tirar uma foto com o pé em cima de uma onça, bem entendido, se ela estiver morta.

Difícil é caçá-la e abatê-la. A presente metáfora se aplica na sua parte final, à nossa situação ao aceitarmos o desafio proposto pelo prefeito. A bem dizer, a nossa posição era ainda pior, pois tínhamos que perseguir e abater uma caça (persuadir o governo do Paraná a asfaltar uma estrada de nove quilômetros), com armas e munição que tínhamos de descobrir e improvisar, ou seja, encontrar alguém habilitado para projetar o balneário Yara e desenvolver os expedientes necessários à sensibilização do governo estadual, quanto ao asfaltamento da sua estrada. Foi pensando nisso que adormecemos naquela noite no belo balneário paulista.

Na manhã seguinte, refeitos da viagem, mal tomamos o saboroso desjejum, procuramos o gerente do balneário, com o qual mantivemos uma longa e proveitosa conversa, finda a qual já nos sentíamos mais aliviados das tensões dos últimos dias. Respondendo à indagação que lhe fizemos, aquele gerente nos informou que o balneário era propriedade do governo paulista e que fora construído na gestão Carvalho Pinto. Disse ainda que o então governador do estado, querendo o melhor para fazer o respectivo projeto, fez contato com o governo da França, país que encabeça o “ranking” mundial em questão termal-crenoterápica (tratamento pelas águas), pedindo a indicação de um profissional daquele país que pudesse se incumbir dessa tarefa. E qual não foi a surpresa do governador paulista ante a resposta do governo francês, ao lhe dizer que esse especialista ele encontraria aqui no Brasil, na pessoa de “Monsieur Mourão”.

O “monsieur” ao qual aludia o governo da França, era Benedictus Mário Mourão, crenoterapeuta, professor emérito da USP e que residia em Poços de Caldas/ MG, cidade bem próxima a de Águas da Prata, para onde seguimos no domingo após o almoço e ao cair da tarde já estávamos hospedados no centenário e luxuoso Cassino Hotel, que em tempos pretéritos – antes do presidente Dutra decretar a proibição dos jogos de azar no país – reunia as mais altas figuras nacionais do mundo artístico e financeiro.

Na segunda-feira, na marca das nove horas, já estávamos na recepção do consultório médico do doutor Mourão, com o qual, todavia, só logramos entrevista depois de passados três dias. Eram dez horas da manhã da quinta-feira, quando falávamos com o cientista honrado pelo governo francês. Mineiro da cabeça aos pés, gentil e simpático, doutor Mourão nos pôs à vontade para expormos o motivo da nossa visita, quando então discorremos sobre o que era Águas Yara e os planos do seu dono para ela. À medida que falávamos, era visível o seu interesse sobre o que ouvia, um interesse que se revelou por inteiro quando lhe mostramos cópia dos estudos laboratoriais (e respectivas conclusões) feitos sobre a Água Yara na Universidade Federal do Paraná, sob a supervisão do doutor Archimedes Cruz. Finalizamos expondo que estávamos ali para demandá-lo a projetar o balneário Águas Yara. Após consultar a sua comprometida agenda, doutor Mourão disse que teria o máximo prazer em fazer o solicitado projeto, mas, dado aos múltiplos compromissos já assumidos, isso só seria possível dali a dois anos.

O fato que a nós não surpreendeu por ser usual em se tratando de pessoas muito demandadas, causou profundo desalento em D’Andrea, que se mostrou bastante frustrado, em razão da pressa que tinha em dar nova fisionomia à sua “Termas Yara”, que ele queria ver melhor dia após dia. Ponderamos então a ele que o projeto do balneário só sensibilizaria o governo quanto a encampar o asfaltamento da estrada, se levasse a “assinatura” de alguém da importância científica de Benedictus Mário Mourão. D’Andrea aquiesceu aos nossos argumentos e concordou em aguardar os dois anos pedidos pelo doutor Mourão, decorridos os quais – que pareceram décadas – fomos a Poços de Caldas buscar o doutor Mourão, que veio acompanhado de sua segunda esposa, dona Clarice, os quais ficaram dez dias hospedados no Hotel Termas Yara.

Durante esse tempo, doutor Mourão se dedicou a fazer vistorias no prédio que abrigaria os setores e dependências do balneário, bem como às adjacências da estância e centenas de anotações. Finda a visita, vistorias e anotações, levamos o casal doutor Mourão de volta a Poços de Caldas, quando ele se comprometeu em apresentar, num prazo de sessenta dias, um plano de trabalho e o custo de seus honorários para a elaboração do projeto. Ainda não havia transcorrido o prazo estabelecido, quando o correio entregou a D’Andrea o envelope que o doutor Mourão lhe remetera. Pensem os nossos ilustres leitores num homem frustrado e desabado em seu ânimo, e terão em sua frente o que ficou D’Andrea ao se inteirar do custo dos honorários estimados para a elaboração do projeto: Cr$100.000.000,00 (cem milhões de cruzeiros), padrão monetário de 1973, ou seja, 10% do valor que lhe custara a Fazenda São Domingos e o complexo termal. Presente no crucial momento, o prefeito Jamil teve a mesma reação. D’Andrea foi enfático: “Esqueçamos o doutor Mourão. Ainda estou pagando as reformas e não tenho como arcar com tais custos”.

De fato, também nós ficamos surpresos com os custos orçados por doutor Mourão. Leigos no assunto, não fazíamos ideia do quanto de trabalho envolvia um projeto dessa natureza. Mas, havíamos assumido um compromisso com o prefeito e refratários a “entregar os pontos” ante qualquer obstáculo, pusemo-nos a conjecturar como dar solução àquele impasse.

(Continua na próxima edição)

* Walter de Oliveira, 89, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932

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