Ano de 1930 – Uma Estação Ferroviária e um Novo Povoado
Walter de Oliveira*
Ao mesmo tempo em que o Distrito Judiciário de Bandeirantes (“Invernada”) crescia e prosperava, algo acontecia na região que mudaria totalmente aquele quadro, fazendo com que o florescente povoado de Eugênio Macaco, Estevão Negreiros, Amiral Henriques, Alfredo Marcondes, João Cravo e João Afonso, entre outros, entrasse em franca queda livre até a sua total paralisação. Esse algo era a chegada dos trilhos de aço da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná, cortando as matas, atravessando rios e seguindo na direção onde em pouco tempo surgiriam as cidades de Santa Mariana, Cornélio Procópio, Londrina, Apucarana e Maringá, que por muitos anos foi citada como “fim-da-linha” (obviamente, ferroviária). Esse evento – linha férrea cortando as matas virgens e desabitadas – tornou-se um verdadeiro toque de “alvorada”, acordando o Norte do Paraná. O progresso norte paranaense, um fenômeno socioeconômico mundialmente conhecido, deveu-se literalmente a quatro fatores: a) ao Acordo de Taubaté, de 1906, que proibia o plantio de café nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, “empurrando” para cá os cafeicultores daqueles estados; b) à fertilidade das suas terras roxas; c) à coragem e ousadia dos desbravadores da região e d) à passagem, pela região, da referida estrada de ferro, fundada pelos fazendeiros cambaraenses Major Bráulio Barboza Ferraz, irmãos Gabriel e Antônio Ribeiro dos Santos e Manoel da Silveira Corrêa, cuja ferrovia seria posteriormente vendida para a empresa inglesa “Brazil Plantations Syndicate” e sua subsidiária brasileira, Companhia de Terras Norte do Paraná, pertencente ao capitalista paulistano Gastão Mesquita Filho e outros. Transformada posteriormente na Rede Ferroviária Federal S.A., foi privatizada e é hoje explorada pela concessionária ALL – América Latina Logística, segundo informa o historiador paranaense João Carlos Vicente Ferreira, em seu livro “O Paraná e Seus Municípios”.
O sistema ferroviário – ao menos o da época – exigia que ao se estender os seus trilhos para novas regiões, se construísse ao longo dos mesmos, “pontos de parada” de trens (casos das estações “Cinzas”, “Bandeirantes” e “Ibiúna”). Inicialmente, a Estação Bandeirantes foi projetada para ser construída junto à sede do Distrito Judiciário de Bandeirantes (Invernada), mas novos estudos técnicos obrigaram a companhia a mudar o trajeto da linha férrea, que terminou passando a três quilômetros daquele núcleo urbano e a projetada estação foi construída à citada distância da sede distrital, levando seu nome: BANDEIRANTES. A construção dessa estação a tal distância do distrito, provocou um fato que era de se esperar: o surgimento de um outro povoado no entorno dela e que em pouco tempo se tornou a razão do declínio e do enfraquecimento de Invernada. Aliás, nada mais lógico e natural, sobretudo numa época em que as estradas de rodagem eram as mais precárias, quando não simples “picadas” nas matas, além do que estar próximo a um fácil acesso a uma ferrovia representava enorme vantagem para qualquer pessoa. A estação ferroviária, embora ainda em construção, passou a ser o assunto dominante nas conversas das pessoas, muitas das quais já interessadas em comprar terras no seu entorno e para ali se mudarem. A sua inauguração em 30 de julho de 1930, foi, segundo o autor ouviu de muitos dos que nela compareceram, um acontecimento dos mais concorridos e festejados.
Eurípedes Mesquita Rodrigues e Ozório G. Nogueira, os fundadores do “Povoado da Estação”
Para cuidar da extensa área de terras que aqui possuía, Juvenal Mesquita havia mandado para cá o seu primo Eurípedes Mesquita Rodrigues e lhe vendeu uma área de 200 alqueires, sobre parte da qual foi construída a estação. O fato da estação ter sido construída em uma área pertencente a Eurípedes, o beneficiou sobremaneira e em pouco tempo ele começou a ser procurado e isso diariamente, por pessoas interessadas em comprar porções de suas terras, embora ainda mata virgem.
Por esse tempo e procedente de São Paulo, chegou à região, Ozório G. Nogueira, jornalista, que além da bagagem trazia consigo a sua jovem esposa e a manifesta vontade de aqui se estabelecer. Ao ver Ozório, Eurípedes percebeu desde logo tratar-se de uma pessoa de visão e preparo, sem contar as demais qualidades que logo provaria ter. Eis que, decorridas algumas semanas do primeiro encontro dos dois e ao qual se seguiram muitas conversas sobre o que estava acontecendo por conta da recém-inaugurada estação ferroviária, eles decidiram formar uma sociedade com uma única finalidade: fundar ali um núcleo urbano. E foi assim que, em 1930, começou a surgir o “povoado da estação”. Homens com experiência de vida, Eurípedes e Ozório acharam melhor não dar nenhum nome ao povoado que fundaram, porquanto previam que o êxito daquele empreendimento acabaria invertendo a situação quanto à sede distrital, uma vez que a manifesta e surpreendente preferência popular pelo “povoado da estação” era, por si só, uma certeza de que, mais dias, menos dias, o novo povoado se tornaria a sede do Distrito Judiciário já existente, e que como sabemos, se chamava Bandeirantes. O sucesso da iniciativa de Eurípedes e Ozório foi tamanho que a 1º de julho de 1931, ou seja, um ano após a data do seu início, o “povoado da estação” já inaugurava a sua primeira escola, cuja primeira professora foi Ismênia Loretti Nogueira, esposa de Ozório, uma dama de fino trato e muitos predicados. O presente relato se faz até para reparar um erro histórico que atribuía essa primazia à professora Maria Jovelina dos Santos, que foi também a primeira professora da região, mas na “Invernada”. A inauguração da escola aumentou ainda mais o interesse das pessoas no “povoado da estação”, e aumentou também a certeza de seus fundadores de que em breve o seu “povoado” se tornaria a sede do Distrito Judiciário. Ambos – sobretudo Ozório, que tinha olhos de águia – sabiam o motivo dessa certeza.
(Continua no próximo sábado).
* Walter de Oliveira, 88, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932.