Tecnologias assistivas são recursos que buscam garantir qualidade de vida, autonomia e inclusão para pessoas com deficiência. Entre elas estão as órteses, dispositivos utilizados para alinhar ou corrigir alterações causadas em membros, órgãos e tecidos. As órteses são parte fundamental de diversos tratamentos ortopédicos, como o do pé torto congênito — má-formação nos membros inferiores que atinge de uma a duas a cada mil crianças nascidas no Brasil, de acordo com grupo social, segundo o Ministério da Saúde. O preço das órteses para este caso, porém, pode ser um obstáculo para as famílias, especialmente as de baixa renda.
Foi pensando nisso que o professor Sérgio Fernando Lajarin, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), começou um projeto de fabricação de órteses por meio da manufatura aditiva — também conhecida como impressão 3D — e da termoformagem, técnica usada para moldar plásticos. O trabalho envolve um estudo interdisciplinar e busca inovar a área da Tecnologia Assistiva, propondo alternativas mais baratas.
O laboratório Engenhar-MEC, coordenado por Lajarin e formado por cerca de 30 estudantes de Engenharia Mecânica e Terapia Ocupacional, já produziu dezenas de órteses do modelo Denis-Browne para uso de bebês com pés tortos que fazem tratamentos em hospitais de Curitiba. A ideia veio a partir de uma experiência pessoal: a filha do professor Lajarin foi diagnosticada com pé torto congênito ao nascer. Após um tratamento inicial com gesso, era o momento de utilizar a órtese, para que o pé da filha pudesse ficar no lugar.
Ao verificar o modelo, que custava entre R$ 250 e R$ 500, Lajarin percebeu que conseguiria fazer uma versão alternativa e mais barata pela impressão 3D, que custaria cerca de R$ 50 (em valores atualizados) e poderia atender as famílias de baixa renda que necessitavam do aparelho. Com sugestões do médico ortopedista que atendia a filha, o professor desenvolveu algumas versões da órtese Denis-Browne até chegar em um modelo final. Desde então, a partir de pedidos de alguns hospitais da capital paranaense, os alunos do Engenhar produzem as órteses e outras tecnologias assistivas. “Começou dessa forma, de uma necessidade que eu tive e eu vi que era possível fazer uma versão que atendia a necessidade, cumpria a função, que é o mais importante, e com custo muito inferior ao produto comercial”, contou à Ciência UFPR.
As órteses são produzidas e doadas conforme demanda dos hospitais e instituições de Curitiba que fazem contato com o Engenhar. Elas estão sendo avaliadas em caráter experimental, já que ainda não há um estudo que ateste a eficácia clínica do modelo produzido na universidade.
O tratamento com gesso e órteses é mais utilizado nos casos idiopáticos, ou seja, que não têm uma causa conhecida. Embora a origem do pé torto congênito idiopático ainda não esteja estabelecida, a literatura considera que a deformidade tenha condição multifatorial, como afirma o médico ortopedista do Complexo do Hospital de Clínicas da UFPR, Alexandre Camargo. “Tem uma parte genética relacionada, tanto que tem uma incidência maior entre irmãos, filhos e até mesmo netos. Mas são uma série de fatores ambientais e genéticos que interferem”, afirma.
O pé torto congênito desenvolve-se durante a gestação e ocorre com mais frequência em meninos e, em 50% dos casos, nos dois pés. Trata-se de uma alteração que causa um mau alinhamento nos ligamentos, músculos, tendões e ossos do pé do bebê.
Atualmente, o tratamento ortopédico mais utilizado nestes casos é conhecido como Método de Ponseti, criado pelo médico espanhol Ignácio Ponseti. Ele inicia nas primeiras semanas de vida da criança com uma série de manipulações e colocação de gesso que servem para corrigir, de forma progressiva, uma sequência de deformidades causadas pelo pé torto congênito.
São realizadas de seis a oito trocas semanais do gesso. Em muitos casos é necessária uma pequena cirurgia para corrigir algumas partes que o gesso não consegue, como o tendão de Aquiles. Após esse período, é o momento de utilizar a órtese. Entre diversos modelos do dispositivo, a de Denis-Browne é uma das mais comuns. “No primeiro gesto você corrige mais a posição da frente do pé, aí vai corrigindo progressivamente e vai levando o pé como se fosse para fora, como é possível ver na botinha da órtese, que é como se fosse no uma posição de hipercorreção, evitando que o pé volte a entortar”, explica Alexandre Camargo.
A órtese atua, portanto, para manter a posição que já deve ter sido corrigida com o gesso.
Se ela não for utilizada corretamente, a deformidade pode voltar, segundo o ortopedista. “Se ainda tiver um pouco de deformidade, você não consegue adaptar a órtese ou forçar no aparelho, vai machucar o pé da criança. Então, primeiro tem que ter conseguido a correção, para depois colocar o aparelho. A órtese é muito importante em manter essa posição de correção, porque se não usar, é isso, é mais de 60% de chances que volte a entortar”.
Nos primeiros três meses após o fim do uso do gesso, a órtese deve ser usada por 23 horas diárias. Depois, geralmente até os quatro anos, conforme necessidade de cada criança, o aparelho deve ser utilizado por cerca de 14 horas por dia.
Com o fim do tratamento, a expectativa é que a correção seja finalizada e que a criança possa ter uma vida normal, ainda que com acompanhamento médico para que não tenha retorno da deformidade.
“O pé da criança que nasceu com pé torto congênito geralmente é um número menor, elas têm a panturrilha um pouco mais fina quando é caso unilateral. Mas o tratamento permite que o pé seja mais flexível e bem funcional. Não vai ser um pé normal, mas vai permitir que a pessoa tenha uma vida completamente normal para praticar esporte, fazer atividades físicas sem nenhum tipo de restrição”, diz Camargo. (Texto e foto assessoria da UFPR)