Paulo José Santos Bueno, mestrando em História Pública

História Pública da Unespar

Hoje, sabe-se que os recursos midiáticos desempenham um papel vital para a disseminação da informação. Entretanto, você consegue imaginar como os jornais foram importantes para a abolição da escravidão no Brasil?

Paulo José Santos Bueno, mestrando em História Pública pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), vem pesquisando, com orientador do Profº Dr. Ricardo Tadeu Caires Silva, este campo instigante e bastante desafiador, envolvendo, principalmente, formas de narrativas como, por exemplo, o uso do termo raça no debate público acerca da abolição da escravidão no século XIX. Ele explica que esse termo, desde seus primeiros usos, se tratava de um termo politizado, com viés ideologizado. “Nos primórdios de seus usos no continente europeu o termo estava relacionado ao ato de demarcar linhagem, legitimando uma série de injustiças de uns sobre outros. Depois de algum tempo o mesmo termo foi vinculado ao ato de classificar, especialmente depois da cunhagem das teorias evolucionistas”, relata.

O pesquisador enfatiza que o conceito raça se legitimava na ciência da época, para justificar o domínio dos brancos sobre os outros povos, além de manter sob controle uma mão de obra eficaz e barata: a escravidão. “Nesse momento histórico várias teorias despontaram no Brasil. Esse debate era recebido como novidade. Os intelectuais correlacionaram a evolução ao progresso, se apropriaram das teorias evolucionistas para justificar e compreender a situação vivida pelo Brasil no século XIX, uma vez que o mesmo não estava nem próximo ao patamar dos países europeus”.

Para ele, parte dos conceitos debatidos por estas teorias partem do pressuposto de que os brancos se tratavam da raça mais evoluída em detrimento das demais, e isso era midiatizado para a legitimação de uma narrativa hegemônica. Este debate ocorreu principalmente nos jornais, onde eram destacados e veiculados aos públicos nas seções de “scientia”, e por meio de tal vulgarização narrativa, o público foi envolvido ativamente. O mestrando explica que a imprensa brasileira do século XIX, formada por jornais, eram veículos com forte eficiência para a comunicação popular. No período abolicionista, desempenhou um papel importante, pois através dela reuniram-se adeptos à causa da libertação dos escravos. “Anterior a esse momento, os jornais em questão debatiam amplamente e de forma recorrente as questões mais polêmicas, em editoriais e nas chamadas sessões “scientíficas”, pois a importância do desenvolvimento científico na época era tão presente que o progresso parecia resultar numa ruptura com as tradições e crenças, numa medida de idolatria pela ciência, dando espaço para os pensamentos de Darwin, Spencer e Comte, os quais suas teorias eram transmitidas em uma linguagem simples, permitindo por sua vez que os leitores mais leigos compreendessem os conceitos de evolução”, conta, relatando ainda, que para a época as teorias da evolução vieram com o objetivo de explicar o atraso econômico e impedir que a abolição ocorresse, uma vez que no continente sul-americano o Brasil foi o último país que aboliu a escravatura.

A pesquisa demonstra que os intelectuais da época tentavam por meio da ciência legitimar uma série de injustiças contra os negros, os mantendo controlados sob as mãos dos feitores, momento este onde ocorreu uma ampla divulgação da Antropologia Criminal, que na época tentava provar a suposta inferioridade através da medição da estrutura física dos individuo como crânio e massa encefálica. “Tais notícias eram inclinadas para os ‘senhores’, buscando em sua maioria seu suporte e ou apoio financeiro, fazendo com que a simples cor da pele fosse uma sentença ou garantia da índole e status social. Então, relacionavam acontecimentos violentos na busca unilateral para criminalizar o negro o ligando à características bárbaras e animalescas”.

Tudo isso sofre uma mudança abrupta nos recortes de 1875-1885, momento este onde houve uma mudança na representação dos negros nos jornais, abribuindo-se espaço como temática central nesses veículos. “Muitos dos abolicionistas utilizavam esse espaço para lutar pela causa mobilizando outros adeptos, contra-argumentando o tradicionalismo e muitas das teorias pseudocientíficas, fazendo com que o popular fosse incluído no processo, uma vez que se engajaram no debate público. Porém, embora a mídia como lido no exposto tenha desempenhado um papel importante no processo de abolição, o Brasil também deve essa conquista a uma série de outros fatores, como as pressões econômicas, políticas e sociais muito presentes na época”, concluiu.

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