SEXAGÉSIMA SÉTIMA PARTE
Walter de Oliveira*
A exemplo dos passos do romeiro no cumprimento de uma promessa, estas páginas são passos que estamos dando em nossa viagem no tempo e na história, durante a qual, cada passageiro enxerga e aprecia atrativos e detalhes diferentes, como se o cenário que vai desfilando à nossa frente, fosse visto através de um caleidoscópio. O que nos será projetado, ficará por conta da nossa imaginação ao processar as cenas e fatos que são narrados. Geralmente, o resultado é satisfatório, compensador.
Neste trecho de nossa viagem imaginária, estamos mostrando os pioneiros do povoado da estação e da cidade, dos anos de 1930/1950, mais especificamente os que se dedicavam ao ramo de “serraria”, assim entendidas as indústrias que transformavam em vigas, caibros, tábuas, forros, assoalhos e outros, as “toras de madeira” vindas das matas. Interrompemos o nosso relato no artigo anterior, quando falávamos da Serraria Moretti, fundada pelo pioneiro Antenor Moretti e filhos, no exato momento em que o “maquinista” acionava o apito do locomóvel, anunciando a “hora do almoço” e o intervalo de 40 minutos; intervalo esse que uns usavam para “fazer o saudável quilo”, e outros para conversas compatíveis com a idade (e até o estado civil) de cada um deles.
Um falava como foi a viagem para Aparecida do Norte, o outro, que havia conseguido comprar o terreno para construir sua casa; o serrador mais jovem, mal começava a se gabar que conseguira, afinal, “dobrar” o velho para levar a filha ao cinema no sábado, e já o “apressadinho” maquinista acionava o rouco apito do vapor, a partir do qual, cada serra e cada serrador se fundiam num só elemento, numa ação sincronizada, que ia até as dezessete e trinta, exceto o novo intervalo de 15 minutos (das quatorze e quarenta e cinco às quinze horas) para o café.
O aparente exagero nessa descrição é pela preocupação de levar ao leitor, como era o “complexo serraria” de então. E quando dizemos isso, é porque afora o que se descreveu até aqui, existe ainda a parte que implicava no fornecimento da “matéria prima”, ou seja, a madeira “in natura”, ainda nas matas dos mais diversos proprietários, uma vez que a extensão territorial do município, desde a sua abertura, era formada de minifúndios (pequenas e médias propriedades). Tal característica levava os proprietários de serrarias a manter um “departamento de compras” bastante ativo e funcional, eis que eram muitos os “fornecedores de matéria prima”.
E na esteira disso, a empresa tinha que dispor de uma frota de alguns caminhões, obviamente adequados e aptos à tarefa de adentarem à mata (por vias as mais precárias e abertas no momento), “encarretar” as toras e levá-las à esplanada da serraria. Juntando as atividades da derrubada das árvores, seu seccionamento em toras, transporte para a serraria e sua transformação em mercadoria de consumo, era uma verdadeira “operação de guerra”. Dizemos isso, não apenas como testemunha ocular e auditiva, mas como integrante de um desses “pelotões”; e não apenas por um curto período, senão por três anos e meio.
Por óbvio, a serraria em questão era gerida pelo seu fundador, Antenor Moretti, que mercê dos seus feitos em prol da nossa cidade, está na galeria dos seus “vultos eméritos”, com destaque pela sua atuação na Santa Casa de Misericórdia local (da qual foi seu primeiro provedor), tendo também sido nosso prefeito municipal (nomeado) nos meses de outubro, novembro e dezembro de 1946 e nos meses de janeiro e fevereiro de 1947.
O pioneiro Antenor Moretti foi casado com dona Maria Turim Moretti e o casal teve os filhos Mário (Baruque), José, Dulce, Oscar (Chico), Antônio (Mano), Maria Aparecida (Carola), Opércio e Tereza. O pioneiro Antenor Moretti é avô do médico Adilson Sorace e bisavô de Marcos Meneghel, diretor-superintendente da Açúcar e Álcool Bandeirantes S.A.
d) Serraria São Domingos. Fundada pelo pioneiro Paulo Domingos Regalmuto Coffa, essa serraria (incluindo a sua esplanada e vila dos funcionários) ocupava toda a área onde hoje é o Jardim União. Sobre o referido pioneiro e sua serraria, já discorremos o suficiente nos artigos 15 e 16 desses “fragmentos”.
e) Paulo Ângelo da Silva e José Sorace. Se existiu aqui uma serraria “citadina”, foi a fundada por esses dois pioneiros, que se situava à Avenida Minas Gerais (atual Prefeito Moacyr Castanho), em frente onde hoje está o templo da Igreja Assembleia de Deus. Excetuando a venda do “Mineiro do Arroz Doce” (que ficava na esquina da atual rua Arthur Conter), o restante da quadra era tomado pela serraria, sua esplanada e casas dos funcionários, incluindo a residência do pioneiro Paulo Ângelo (a casa do pioneiro José Sorace, ficava contígua à sua sapataria, à Avenida Bandeirantes).
Embora não nos lembremos mais do nome da serraria, lembramos, que a sua parte comercial ficava por conta do pioneiro Paulo Ângelo, pois o seu sócio José Sorace, passava o dia todo na sapataria. Já a parte industrial da serraria, ficava a cargo de José Gomes, dos mais entendidos do ramo em toda a região, e que antes fora gerente da Serraria São Domingos. Lembramo-nos com muita clareza, que foi nessa serraria, em 1950, ainda antes de contar 18 anos de idade (e, portanto, sem carteira de habilitação), que trouxemos o primeiro caminhão carregado de toras e por nós dirigido; para nós, um acontecimento que ficou na história.
O pioneiro Paulo Ângelo, que nesse mesmo ano mudou-se para Paraíso do Norte (onde continuou no mesmo ramo), foi casado, porém não conseguimos obter o nome de sua esposa, embora os nossos esforços nessa busca; o casal teve os filhos Airton, Fernando e Neusa. A mudança desse pioneiro, deu-se em razão de ele e o seu sócio José Sorace terem vendido a serraria para o pioneiro Augusto Ragazzi, que será listado adiante, e que nos parece ser o último do ramo. E quanto a José Sorace, assim que ele e seu sócio Paulo Ângelo venderam a serraria, e desfeita a sociedade, decidiu montar a Serraria São José, que ficava situada à Avenida João da Silva Cravo, onde está hoje a empresa Band Frios, e que ali funcionou por muitos anos, até ser desativada pelos herdeiros do seu último dono, Francisco Alves Farias.
Trabalhávamos nessa serraria (como motorista de caminhão), quando sofremos o grave acidente em que fomos socorridos pelo pioneiro no ramo de padarias, Vicente Luiz Duarte, e que narramos na continuidade da letra “h”, no nonagésimo oitavo artigo desses fragmentos.
Continua.
* Walter de Oliveira, 92, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932