Fragmentos da Nossa História:

* Por Walter de Oliveira

Hoje sede do Museu Municipal “Maria Calil Zambon”, aquela casa amarela, estilo barroco, construída à margem da linha de trem e inaugurada em julho de 1930, foi por várias décadas, a estação ferroviária da cidade, e na verdade, o “start” para o seu surgimento, vez que, as nossas primeiras construções (ranchos de pau-a-pique) foram erguidas no seu entorno.

Se o título deste relato a define como a “vedete das décadas 30 a 60”, é porque, além de ser o nosso “porto” de recepção e embarque de pessoas e mercadorias, foi ela, naqueles anos, especialmente nos domingos e feriados, local obrigatoriamente frequentado pela população, principalmente a juventude que, à falta de outras opções e formas de lazer, para ali afluía. Entre 11 horas e meio-dia chegavam os trens de passageiros: um, procedente de São Paulo, com destino a Londrina e depois Maringá e outro, no sentido contrário. Puxava os 10 a 12 vagões de passageiros, uma reluzente e resfolegante locomotiva inglesa Mallet 12, cujo maquinista sempre austero e vaidoso por conduzir aquele gigante de aço, vinha de longe anunciando a sua aproximação da cidade, gastando o vapor da “sua” máquina com longos e repicados apitos, como se fora um berranteiro das linhas férreas.

No pátio e no saguão da estação fervilhava uma alegre e barulhenta multidão, composta por variados tipos de pessoas: tínhamos o passageiro de terno e gravata, acompanhado de uma elegante e bem vestida dama (ambos usando sobre seus trajes o indispensável “guarda-pó”, para proteger suas roupas de serem chamuscadas pelas fagulhas saídas da chaminé da maria-fumaça, como era chamada a locomotiva), e tínhamos também o fazendeiro, com seu terno de brim cáqui, chapéu panamá e lustrosas botas de vaqueta ou pelica, e por fim, o homem da roça, na verdade, o “herói da epopeia” (Índio Vago, em “Mágoas de Boiadeiro”).

A demora do trem na estação, em torno de 20 minutos, para embarque e desembarque dos passageiros e também para o reabastecimento de água e lenha (seu combustível), era o suficiente para que as pessoas – tanto as da cidade, como as em trânsito –, notadamente os rapazes e moças trocassem, através das amplas janelas dos vagões, acenos e gestos de gracejos e até mesmo mantivessem pequenos diálogos. Passado aquele fugaz e delicioso instante, o estridente apito feria nossos ouvidos e o colosso de aço deixava a estação, cujos pátio e saguão iam aos poucos ficando vazios, até o próximo domingo ou feriado, quando tudo voltaria a se repetir. Bons tempos e que sobrevivem apenas nos arquivos (ou atualmente) nos pendrives da memória.

Feito o relato da nostalgia romântica da nossa estação, mister se diga agora, sabendo-se da importância que a ferrovia teve na ocupação e desenvolvimento das regiões norte e noroeste do Paraná, quem foi o visionário que concebeu o ousado plano ferroviário e geriu todas as tratativas (inclusive a formação do necessário aporte financeiro) para que o mesmo se tornasse realidade. Conta-nos o historiador paranaense João Carlos Vicente Ferreira (hoje radicado em Cuiabá-MT), em seu esplêndido livro “O Paraná e seus Municípios”, que esse intrépido visionário foi o major Bráulio Barboza Ferraz, possuidor de muitas terras na região que hoje é Andirá. Para isso, se juntou com seu filho Leovegildo, os irmãos Gabriel e Antônio Ribeiro dos Santos, Manuel da Corrêa Silveira (também latifundiário na região) e o inglês Willie Brahasen Davids, e fundaram a Companhia Ferroviária São Paulo – Paraná. Esta, sob a direção do engenheiro Gastão de Mesquita Filho, veio a se tornar a alavanca propulsora do fenômeno desenvolvimentista das décadas de 40 a 50: o norte do Paraná, quando Londrina ficou conhecida como a Capital Mundial do Café. Encerra-se aqui o fragmento histórico envolvendo a saudosa estação ferroviária de Bandeirantes, que como outras tantas Brasil e mundo afora, protagonizaram grandes feitos e realizações para a vida dos povos. A história tem por obrigação de apresentar seu preito de admiração e reconhecimento de altos méritos a esse pugilo de cidadãos idealistas e ousados que, acreditando e buscando um amanhã melhor, não necessariamente para si, investiram o que todo homem tem de mais precioso – seu tempo –, assim como o seu dinheiro, colaborando concretamente para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade.

A história, segundo o escritor peruano Nobel de Literatura de 2010, Mário Vargas Llosa, “…não está escrita, ela não segue roteiros fatídicos. A história é escrita diariamente por nós, os homens e as mulheres, mediante nossas ações e decisões, e podemos lhe conferir a direção e o ritmo que nos parecerem melhores”. A história lembra bem uma corrida de revezamento, em que o bastão está ora com um, ora com outro. Os atletas somos nós.

* Walter de Oliveira, 88, natural de Bandeirantes, serventuário da Justiça aposentado. Seu registro de nascimento foi feito ao tempo em que o cartório era na Invernada.

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