À esquerda: Paulo Regalmuto Filho, o “Paulinho” e sua esposa Albany, em evento na capital paulista. À direita: o motorista de Regalmuto (cujo nome não se sabe), Pedro João Crosato (braço direito de Regalmuto) e Rudolf Mueller, gerente do hotel, com sua filha Regina.

Águas Yara – A “Deusa Das Águas”

(Oitava parte)

Walter de Oliveira*

É este já o nosso oitavo artigo sobre Águas Yara e não podemos precisar aos que nos têm honrado com sua atenção, quantos outros escreveremos sobre o mesmo assunto, até chegarmos à Águas Yara de hoje, a mesma que num passado não tão distante era a nossa alegria e prazer, sobretudo nos fins de semana. Não fora o carinho e o apego que os habitantes de Bandeirantes e cidades da região têm pela ora adormecida “deusa das águas” e o seu interesse por sua história, não teríamos centenas de pessoas que vêm acompanhando esses relatos. No artigo passado paramos com a informação de que foi ela – “Águas Yara” – que trouxe a Bandeirantes, Jamil Fares Midauar, que após havê-la administrado no período do seu arrendamento a Jacob Elias Issa, aqui fixou residência, constituiu família e, como radialista e político, prestou os mais relevantes serviços ao município e seus habitantes.

Prosseguimos hoje informando que por razões não vindas a público, o contrato com Jacob Elias Issa terminou antes do prazo avençado por força de decisão judicial em ação movida por
Regalmuto, o qual, em face disso e não obstante a precariedade da sua saúde (com ambas as pernas amputadas e se locomovendo em cadeira de rodas) retomou a administração da estância auxiliado por seu “braço direito”, Pedro João Crosato. A poucos meses disso (31/11/1958) veio a falecer dona Beatriz Brassi Regalmuto, sua esposa e de cujo casamento não houve descendentes. O estado de viuvez de Regalmuto foi de apenas quatro meses, porquanto em 28/03/1959 ele casou-se com Catherine Ederly, com a qual mantinha um romance não tão secreto, eis que havia quase duas décadas, ela lhe dera o filho que sempre sonhara ter.

O ano agora é o de 1960 e Paulo Regalmuto Filho, homem feito, compleição física atlética, era o que podia se chamar de um jovem bonito e atraente e, frise-se, atraente tanto pela estampa física, quanto pela cobiçada fortuna da qual era o único herdeiro. Com tais e importantes predicados, aos quais se acrescentava ainda a sua cativante simpatia, Paulinho – como era chamado o unigênito de Regalmuto – era figura de destaque entre os jovens da alta sociedade paulistana, dentre os quais não eram muitos os que, como ele, podiam desfilar num Jaguar último modelo pelas ruas de São Paulo ou acelerá-lo em exibição esportiva nas pistas de Interlagos, um de seus hobbies prediletos. Candidatas a subir ao altar com um tal “partido” era o que não faltava e segundo João Pedro Crosato – quase um seu segundo pai – a disputa por um lugar nesse “pódio” (o casamento) era das mais acirradas, sendo vencida pela linda e glamorosa Albany, a cujos encantos Paulinho se rendera. Moça de fino trato (como diria Jamil Fares Midauar), Albany era filha do engenheiro civil Agenor Borges Ferreira, de alta posição no governo paulista e foi para ela e perante o pároco do subdistrito de Saúde (São Paulo) e a uma seleta plateia de convidados, dentre os quais Crosato, que em 06/01/1962, aos 21 anos de idade, Paulinho fez, e dela recebeu, o juramento de fidelidade conjugal e de se amarem até que a morte os separasse.

Conforme – e sempre – Pedro João Crosato contava, a primeira e concreta prova de amor entre ambos foi dada pela noiva quando, sem hesitar por um átimo de segundo, aceitou a extravagante – ou caprichosa – proposta de seu amado em trocar as passagens do voo a Paris pelas de um voo para Manaus, e a sua sonhada lua-de-mel não foi embalada ao mágico som dos violinos e dos “shows de France”, mas povoada pelo coaxar de sapos, gritos de saguis e o estridente cantar das lindas araras azuis da selva amazônica. De volta a São Paulo e trazendo na bronzeada e sedosa pele as marcas de picadas de pernilongos, Albany já se ocupou de nova arrumação de malas e agora para viajar com destino a um lugar que, segundo costumava falar, ela amava de paixão, que outro não era senão “Águas Yara”. Essa viagem – embora fosse um prolongamento da lua-de-mel do casal – resultava de uma razão que a todos entristecia. A enfermidade que acometera Domingos Regalmuto (então com 81 anos de idade) se agravara tanto, ao ponto de impedir que ele exercesse a mínima atividade, e Paulinho, embora contasse apenas com vinte anos de idade, tendo plena consciência da responsabilidade que pesava sobre seus ombros, mostrou logo filho de quem era e, qual peixe que já nasce nadando, assumiu a supervisão do complexo fabril-agrícola-comercial erigido por seu pai, alcançando os estados de São Paulo e Paraná. O parque fabril de Vila Mariana (São Paulo) ficou aos cuidados de Pedro João Crosato e os negócios do Paraná a cargo dos mesmos administradores, a saber, Serraria e Posto Energina, Guilherme e Waldemar Sachs; Fazenda e Cerâmica São Domingos, José Negrisoli e depois José de Souza e o complexo termal (hotel, piscina, engarrafamento e venda de água), aos cuidados do alemão Rudolf Mueller. Isso ele decidiu ainda em São Paulo, de cuja cidade, despindo-se das vestes e costumes do jovem alegre e desinibido que era até então, metamorfoseou-se no empresário responsável, que fazendo-se acompanhar de sua jovem e bela esposa seguiu rumo à rodovia Raposo Tavares e em algumas horas chegava a Bandeirantes.

Sob Paulinho e Albany, “Águas Yara” parecia viver dias cada vez melhores. Mas enquanto isso, a enfermidade de Domingos Regalmuto minava impiedosamente o resto de sua saúde, levando à lona aquele valente lutador, que ante a iminência de sofrer também a amputação dos seus dois braços, reuniu o que lhe sobrava de energias em 20 de outubro de 1961, e num ato derradeiro e extremo, pôs fim à própria vida. A partir de então, só recordações do idealista e intrépido siciliano que construíra um pequeno império, agora (então) sob o comando do filho que ganhara de Catherine Ederly, já aos 61 anos de idade.

Com a devida vênia dos leitores, abrimos aqui um parêntese para lamentar e refutar as absurdas e esdrúxulas lendas de que Regalmuto havia feito um pacto satânico onde ele entregaria a alma em troca de ficar rico. Como ele se arrependera e não quis cumprir sua parte no pacto, o diabo havia lhe mandado uma doença que lhe custara as duas pernas e que o mesmo ocorreria com os braços. E com isso, dizem as lendas que após tirar a própria vida, “Águas Yara” ficou “mal-assombrada”, sendo vistos ali, à noite, fantasmas e coisas estranhas e sobrenaturais. Moramos no Hotel Termas Yara durante sete anos (1974/1981) e jamais, durante esse tempo nada vimos e nem ouvimos falar sobre tais fatos, frutos tão somente da fértil, criativa e folclórica imaginação popular.

(Continua na próxima edição)

* Walter de Oliveira, 89, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932.

6 COMENTÁRIOS

    • Bom dia Sofia!
      Pesquise no site por “Fragmentos” que você vai encontrar todas as publicações.

    • a continuação continuam sendo publicadas no jornal Folha do Norte Paranaense

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