Invernada, o Berço de Bandeirantes

(Segunda Parte)

* Por Walter de Oliveira

Na crônica anterior, publicada na última edição desta Folha, o autor narrou a história da Invernada, até o ponto em que informações fidedignas apontaram Eugênio Macaco como o seu mais antigo morador. Disseram ainda as mesmas fontes que ouviram de Eugênio que pouco tempo após sua vinda para a região (1910), Invernada – ainda só um pequeno e ocioso pasto – começou a receber um contínuo e crescente número de novas famílias, as quais, mal chegando, já iam erguendo os seus ranchos e neles se acomodavam. Dizia Eugênio, segundo as mesmas fontes – que em mais ou menos cinco anos da sua chegada, Invernada já abrigava centenas de famílias, donde se infere que no ano de 1915, o chão em que outrora nasceram e cresceram alguns pés de capim no entorno de um acampamento abandonado, era o piso de centenas de lares (embora meros ranchos) habitados por bravas e corajosas famílias, que não temeram enfrentar o inóspito sertão e as dificuldades próprias de lugares à míngua do menor recurso que seja.

Em apoio à informação de que Invernada já era um “povoadoem 1915 (Cambará já o era em 1906) o autor lembra, ao seu tempo de cartorário da ativa, conversa que teve com João e Francisco Fernandes, antigos moradores do bairro “Perobinhas”, os quais lhe falaram que seu avô, Serafim Fernandes, e João Figueiredo, saíram de Santo Antônio da Platina, cruzaram o Rio das Cinzas à vau,na altura de onde mais tarde foi instalada a “Balsa do Corsini” e como “safristas” (pessoas que criavam e engordavam porcos na palhada em vez de mangueirões e chiqueiros) vieram morar no lugar depois nominado “Água das Perobas”. Isso – disseram – contava o seu avô, no ano de 1915, que contava também, que precisando comprar coisas para a casa (sal, açúcar, querosene e etc.) ele ia comprá-los no povoado da Invernada. Essa conversa de Serafim Fernandes com os netos deixa claro e patente que em 1915 já existia na Invernada comércio de gêneros alimentícios e de uso doméstico.

Voltando aos nomes dos pioneiros do povoado nas vizinhanças do ex-acampamento de Borromei, vem agora o de João da Silva Cravo, ou simplesmente João Cravo, que não tendo vindo, como veremos, à mesma época que Eugênio Macaco, tornou-se a maior e mais influente liderança do povoado. Sua história está fortemente ligada ao nome da viúva Josephina Alves de Lima, dona da “Gleba Hermes Lima” (destacada da “Posse Fazenda Laranjinha”), com nada menos que 2.469 alqueires de terra, sobre parte da qual fora erguido o acampamento do engenheiro Carlos Borromei e depois surgido o povoado Invernada. O vínculo de João Cravo com Josephina Alves de Lima vamos encontrá-lo na escritura de 24 de dezembro de 1926, lavrada às folhas 06, verso, do livro nº 247, do 11º Cartório de Notas de São Paulo, em que ela vende, pelo preço de dez contos de réis, 10 (dez) alqueires de terra, destacadas da sua possessão, no lugar denominado “Invernada”, a João Manoel dos Santos, e diz, textualmente: a) que o imóvel objeto da escritura está dividido em datas, com ruas e praças, preparado assim, para servir a uma povoação, e b) que o outorgado comprador (João Manoel dos Santos) obriga-se a dar uma data das terras ora adquiridas, a João Cravo, agreggado (sic) della (sic) outorgante e a quem foi esta dádiva promettida (sic).

Como visto nas partes grifadas da escritura, a própria vendedora confirma a existência de uma povoação na área de dez alqueires. Foi após comprar esse latifúndio (em 21/05/1921), que Hermes Ernesto Alves Lima – falecido marido de Josephina – contratou João Cravo para vir para o sertão do Paraná, como vigia e cuidador da área contra novas ocupações. Diz-se novas invasões, porque a do povoado (resolvida com a venda de 1926 acima referida) já era uma realidade, quando da compra em 1921. Voltando a João Cravo, este, em aqui chegando, ali pelo segundo semestre de 1921, um português, jovem, entusiasmado, trabalhador e fácil no trato com as pessoas (contava Rolando Marcondes, embora às vezes rústico), não teve qualquer problema em manter o latifúndio a seu cargo íntegro e livre de invasores. Afora isso, João Cravo desenvolveu atividades paralelas, tendo sido o primeiro a se estabelecer no povoado com comércio de secos e molhados e hotelaria, em regime conjugado. O fato é que em pouco tempo ele tinha relação de amizade com o povoado inteiro e logo se firmou como uma das pessoas mais ouvidas na comunidade. Apesar de conviver com toda a população local, os seus amigos mais próximos (sempre os há) eram Eugênio Macaco, Estevão Negreiros, Alfredo Marcondes e o seu patrício Joaquim Carreira. Fato curioso, bastante singular e para o qual, segundo informações colhidas pelo autor, muito contribuiu João Cravo, foi a escolha de Eugênio Macaco como primeiro inspetor de quarteirão do povoado. Um misto de autoridade civil-policial, o inspetor de quarteirão atuava como um conselheiro, pacificador e, também, como se fora um policial. De escolha dos moradores, esse cargo (não remunerado) requeria que a pessoa escolhida gozasse de boa conceituação moral, fosse moderada e tivesse força persuasiva nos seus aconselhamentos. Como se vê, um considerável e não muito comum corolário de valores pessoais, exatamente o que João Cravo viu em Eugênio Macaco para indicá-lo à tão honrosa função e à cuja expectativa Eugênio correspondeu inteiramente, o que levou ao lógico fortalecimento da liderança invernadense do jovem lusitano, que ali chegara não mais que um simples agregado de Josephina Alves de Lima.

(Conclusão na próxima edição)

* Walter de Oliveira, 88, nasceu em 1932, na Fazenda Pinto Lima. Serventuário da Justiça aposentado.

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