Walter de Oliveira e o Comendador Luiz Meneghel, que mantiveram relações de trabalho e amizade por muitos anos

Águas Yara – a “Deusa Das Águas”

(Décima terceira parte)

*Walter de Oliveira

O passo a passo para o asfaltamento da “Estrada da Yara” – III

Discorrendo sobre a saga de Águas Yara, cujo epílogo vai se avizinhando, falávamos no nosso último artigo da perplexidade e desânimo que tomaram conta de Paschoal D’Andrea e do prefeito Jamil Fares Midauar diante dos altos honorários pedidos pelo doutor Mourão para fazer o projeto do balneário. Com o orçamento ainda em mãos, D’Andrea disse que lamentava ter perdido dois preciosos anos aguardando pelo cientista mineiro, com o que concordou o prefeito Jamil, enquanto nós, que os tínhamos convencido a esperarem todo aquele tempo, nos sentimos vestido na maior “saia justa” que se possa supor.

Tal desconforto, todavia, não foi além de segundos, quando uma feliz lembrança veio em nosso socorro, e numa atitude de jogador que “blefa” numa alta aposta, dissemos-lhes em tom convicto e persuasivo que considerassem os custos do projeto por resolvido e mais, sem o desembolso de um centavo por parte de D’Andrea. À nossa fala, Jamil e D’Andrea nos olharam bastante intrigados e perguntaram a um só tempo de que mágica ou milagre falávamos, já com ar de esperança, face à convicção que demos às nossas palavras. No entanto, e por precaução, nada lhes adiantamos, a não ser que no decorrer do dia seguinte eles teriam a confirmação de tal boa-nova.

Às sete horas da manhã seguinte, adentrávamos o pátio da Usina Bandeirantes e fomos direto ao local onde todas as manhãs, o seu fundador e diretor-presidente, Comendador Luiz Meneghel, gostava de ficar olhando a cana ser esmagada nas gigantescas moendas e depois ser transformada em açúcar e álcool, o que acontecia desde 1943, por 79 ininterruptos anos. Homem que se caracterizava por sua simplicidade e discrição e de quem tivemos a honra de privar da sua amizade e confiança, por conta de várias, importantes e exitosas tarefas que desempenhamos sob as suas ordens, ao tempo que fomos seu funcionário, ao nos ver se aproximando, veio ao nosso encontro, e num gesto bem fraternal, botou a mão em nosso ombro e seguimos para a sua residência, construída a menos de cem metros da chaminé de 92 metros de altura, hoje desativada, um retrato de tempos pretéritos e símbolo de muitas lutas. Acomodamo-nos nas confortáveis cadeiras postas na varanda da residência e conversamos algum tempo sobre trivialidades. Mas, perspicaz como poucos, aquele mais que lendário usineiro percebera logo que a nossa visita, não era de mera cortesia, pelo que, bem ao seu jeito, perguntou: “E então, o que você manda, assim logo cedo”?

À esperada indagação, contamos tudo o que se passava a respeito de Águas Yara, os planos de D’Andrea (que era também seu amigo) em transformá-la num balneário digno desse nome, para o que, todavia, era indispensável o asfaltamento da estrada que a ligava à cidade, o qual sendo de elevados custos, teria que ser feito pelo governo do estado, uma vez que a prefeitura municipal não teria recursos para isso. Nesse momento o Comendador nos interrompeu para dizer que o estado tampouco faria um asfalto, que iria beneficiar apenas um município. Contrapondo-o no seu entendimento, lembramos que tal asfaltamento tinha uma justificativa especial que o diferenciava de outros pedidos do mesmo benefício: o nosso asfalto se destinaria ao acesso de pessoas do país inteiro, a um balneário servido por uma água mineral de incomum qualidade e de efeitos terapêuticos comprovados por estudos feitos pela Universidade Federal do Paraná. Aduzimos ainda que o governo teria tudo isso em mãos através de um projeto específico, que estaria a cargo de um renomado cientista, o mesmo que fez o projeto do balneário de Águas da Prata. Após nosso relato, ao qual emprestamos a maior convicção que nos foi possível, o Comendador Meneghel admitiu a possibilidade de o governo vir a patrocinar o tal asfalto.

E foi aí que lhe dissemos o porquê de termos ido procurá-lo, e lhe explicamos que Paschoal D’Andrea estava gastando até o que não tinha nas reformas do hotel, razão porque não podia pagar os honorários do projetista (abrimos um parêntese para contar aos nossos leitores, qual foi o lampejo que nos levou a dizer a D’Andrea e ao prefeito Jamil, que os honorários de doutor Mourão “era um problema superado”. A Usina Bandeirantes tinha – e tem – uma área de cem alqueires de terras a menos de um quilômetro do Hotel Yara e cuja linha divisória da sua cabeceira é a estrada Bandeirantes-Yara). Enquanto falávamos desse asfalto, vimos confirmada a nossa intuição, no sentido que o Comendador já o via servindo e valorizando aqueles cem alqueires de terras da sua usina, assim que o informamos da impossibilidade de D’Andrea pagar os honorários do doutor Mourão. De posse das informações, bem a seu modo e sem pestanejar, o Comendador Meneghel disse apenas: “Diga para o D’Andrea contratar o homem, que eu pago”. No caminho de volta a Águas Yara, fomos pensando no homem de quem acabávamos de nos despedir e sobre o qual disse, certa feita, o professor Pedro Viriato Parigot de Souza (então governador do estado), “ser um benemérito não só do Paraná, como do Brasil, pelos exemplos legados à posteridade”. Ansiosos, aguardavam-nos em Águas Yara, Paschoal D’Andrea e Jamil Fares Midauar.

Embora o almoço já estivesse servido, D’Andrea não se fez de rogado e disse que o almoço podia esperar, pois o que realmente lhe interessava naquele momento era saber da novidade que nós lhes trazíamos. Informado de toda a conversa que tivemos com o Comendador Meneghel e de que ele pagaria os honorários do doutor Mourão, os escrúpulos de D’Andrea afloraram e ele disse que agradecia muito, mas que não podia constranger o Comendador a tal desembolso. Explicamos-lhe então que o asfalto era de grande interesse para a usina, por beneficiar os seus cem alqueires de terras ali encostados, e que tal valor pouco representava para um portento econômico-financeiro como a Usiban. Após hesitar ainda por algum tempo, D’Andrea mandou que Orlando Senize (gerente do hotel) ligasse para o doutor Mourão, quando este, também bastante ansioso com um projeto que tanto o empolgara, já marcou dia para que alguém fosse buscá-lo em Poços de Caldas e dar a largada a um serviço que demandou dois anos e muito trabalho.

(Continua na próxima edição)

* Walter de Oliveira, 89, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932

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