Ordenha manual à época dos pioneiros (foto obtida pela internet)

Os Pioneiros no povoado (De 1930/1950)

Quinquagésima Terceira Parte

*Walter De Oliveira

Retomamos a escrita dos fragmentos da nossa história, listando os pioneiros do povoado da estação e da cidade nos anos de 1930/1950, quando os referidos pioneiros eram os produtores rurais donos de vacas leiteiras, que destinavam a sua produção – ou parte dela – para o consumo pela comunidade. Paramos o artigo anterior quando falávamos do pioneiro Ozório Gonçalves Nogueira. A fazenda do pioneiro Ozório Nogueira, “Fazendinha”, como ele a chamava, fazia divisa com a cidade, cujo limite era a atual Avenida Edelina Meneghel Rando, a iniciar da esquina do Residencial Monterey, até a linha férrea. Nela Ozório plantou milhares de cafeeiros, alfafa e formou invernada, onde mantinha as suas matrizes leiteiras. No setor de enfardamento de alfafa, apesar de contarmos com apenas dez anos de idade, era onde, após as aulas e até o anoitecer, trabalhávamos “tocando” a parelha de burros que movia a respectiva prensa. Dois retireiros cuidavam da ordenha: Sebastião de Oliveira, irmão de nosso pai e o Dario, cujo sobrenome nunca soubemos. A entrega do leite, a exemplo dos outros pioneiros do ramo, era feita de casa em casa. O pioneiro Ozório Gonçalves Nogueira foi casado com dona Ismênia Loretti Nogueira (primeira professora do povoado da estação) e o casal teve os filhos Gerson Ozório e Pérsio Ozório.

d) Justino Linardi. Este é outro pioneiro com o qual tivemos (e memorialmente sempre teremos) um forte vínculo, pelo que e com a permissão dos leitores, diremos a seu respeito, algo mais do que os demais.

Afora as pessoas que nos honrarão pela leitura destas linhas e os seus descendentes, improvável que outras, nossas contemporâneas, saibam ou tenham ouvido falar de um italiano de Nápoles, que ajudou a desbravar esta então inóspita região. Homem de estatura média, mas robusta, Justino Linardi ostentava sempre um aspecto austero e não raro, até rústico, como convinha à época e às circunstâncias. Entretanto, nem por isso descumpria os hábitos de cortesia e respeito às pessoas com quem tratava, razão da estima e boa receptividade que usufruía, quer no meio rural ou na cidade.

Ele chegou em nossa região no ano de 1929, contratado para trabalhar como colono na Fazenda Pinto Lima, cuja casa para onde se mudou era vizinha de parede e meia com a do nosso pai, que ali chegara um pouco antes, e era também colono. De início muito reservado – contava nosso pai – aos poucos tornaram-se bastante amigos e passados três anos – em 1932 – a sua esposa, dona Thereza, foi a parteira que ajudou a nossa mãe ao nos dar à luz. Numa época em que a parturiente não alimentava o recém-nascido com o “colostro”, dona Thereza, que tinha filho de colo, terminou sendo a nossa “mãe de leite” (razão de nossa inesquecível estima por ela), até que pudéssemos receber o leite da nossa própria mãe.

Passados seis anos, em 1938, o pioneiro Justino Linardi e nosso pai moravam na fazenda do coronel Francisco Figueiredo; nós como colonos e ele, como “meeiro” dos vários milhares cafeeiros que tocava. Nessa época, nós e nossa irmã Ruth (listada como “modista” em nossos artigos anteriores) íamos à escola, distante quatro quilômetros, juntamente com Urbano e Leonel, filhos do “seo” Justino. Foi ali, como meeiro do coronel Figueiredo, que ele amealhou recursos para comprar o seu “pedaço-de-chão”, uma área de terras ainda em mata, situada na região  hoje conhecida como bairro da Tabuleta. Ali, além de plantar milhares de pés de café, o pioneiro Linardi formou uma invernada na qual maninha o seu rebanho de vacas leiteiras, cuja ordenha, iniciada bem antes do nascer do sol, era feita por ele e seus filhos. A entrega na cidade (a dez quilômetros de distância), ficava a cargo dos filhos Leonel e Thomazini, e a parte do leite não vendida, dona Thereza e a filha Letícia, transformavam em queijos e requeijões, tão deliciosos, que mesmo antes de serem feitos já estavam vendidos. Após alguns anos, Justino Linardi vendeu sua propriedade e mudou-se para Francisco Alves.

Entrega do leite pelos “leiteiros”, profissão já inexistente (foto obtida pela internet)

Todavia, achamos pertinente narrar aqui, um fato por ele protagonizado e que talvez, em respeito ao próprio pioneiro, era comentado à boca pequena. O fato deu-se na região rural de Cambará, onde Linardi morou antes de vir para cá. Um certo dia ele montou em seu cavalo e foi à cidade, onde recebeu o dinheiro de cereais que vendera e comprou algumas provisões para casa. No caminho da volta, eis que ao atravessar por um dos vários capões de mato cortados pela estrada, ele foi surpreendido por três indivíduos que lhe apontavam armas e outra coisa não queriam, a não ser o dinheiro que certamente levava consigo. Sua reação foi imediata e num átimo de segundo, com a agilidade de um felino, ele saltava da sela do seu cavalo e seu dedo indicador da mão direita acionava o gatilho do seu reluzente Colt calibre trinta e oito. Mal refeito do susto, montou de novo o seu também assustado cavalo, agora cavalgando-o em ritmo mais rápido e não rumo à casa, mas à procura de socorro médico, porquanto ele tomara um tiro na altura do estômago, que felizmente fora superficial, e em poucos dias já estava recuperado. Mas na estreita estrada ficaram estendidos e sem vida, os corpos de três assaltantes, que nunca mais se regalariam com o fruto do trabalho e do suor de um homem honrado – um pensamento que certamente o acompanhou vida afora.

O tempo passou e há recentes dias tivemos o prazer de conhecer um bisneto de Justino Linardi (Marcelo Borges, neto de Jesuína, filha do pioneiro), morador de Maringá, que indagado por nós a respeito, nos disse que o seu pai, Idézio Borges – com o qual chegamos a conviver –, lhe contou o fato, naturalmente que com alguma variação de enredo. O pioneiro Justino Linardi foi casado com dona Thereza Ferreira Linardi e o casal teve os filhos Júlia Angelina, José, Antônio, Jesuína, Letícia, Thomazini, Mauro, Ivan, Leonel e Urbano.

Continua…

* Walter de Oliveira, 90, articulista desta Folha, é bandeirantense, nascido em 1932

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