Desde longínquos tempos, a cafeicultura (hoje agronegócio) sempre foi fator de preponderância na economia mundial. E a economia do Brasil não fugiu à regra, não obstante jazerem no seu generoso solo imensas riquezas minerais.

E ao tempo da sua ocupação (1910/1920), a nossa região seguiu a mesma cartilha, ou seja, o carro-chefe da nascente economia, foi a agricultura, eminentemente voltada para o café, cujos plantios, inicialmente tímidos, por conta de toda ordem de dificuldades de um sertão inóspito, em pouco mais de uma década transformaram a roupagem da nossa região, conservando apenas a sua cor verde, mas agora não mais o verde da mata e sim dos inúmeros cafezais que cobriam a região. O cultivo da formosa e lucrativa rubiácea trouxe para o norte do Paraná centenas e centenas de fazendeiros, os quais, para viabilizarem seus negócios, trouxeram milhares e milhares de colonos. No novo distrito da bacia do Cinzas e Laranjinha eram dezenas e dezenas desses fazendeiros, cujas histórias guardavam muita semelhança entre si e o autor, nascido numa delas, resolveu mostrar à geração de hoje como era a relação entre fazendeiros e colonos. A fazenda eleita para isso foi a extinta Fazenda Pinto Lima, assim chamada em razão do sobrenome do seu dono, Doutor Arthur Pinto Lima. Embora fosse juiz de direito da comarca de Amparo/SP -, Pinto Lima era filho de cafeicultor e foi esse certamente o motivo de ele ousar formar uma lavoura cafeeira num lugar tão distante da sua querência, diria o nativo dos pampas. Para isso ele adquiriu 3.990 hectares de terras em mata, banhados na linha divisória sul pelo Rio das Cinzas e foi ali que o autor nasceu, em 8 de setembro de 1932, fazenda em que seu pai, Luiz de Oliveira, trabalhava como colono desde 1929, quando aqui chegou, vindo de Monte Sião/MG.

Doutor Pinto Lima sabia que o êxito de uma fazenda de café, dependia, dentre outras coisas, da fertilidade e do clima da região (incluindo o regime de chuvas). Terras férteis, ele tinha e o outro fator, também fundamental, era ter um administrador honesto, competente e diligente, item resolvido com a contratação de Lysandro Junqueira, que além de preencher os requisitos, tinha na esposa, dona Maria, o braço direito que todo administrador deseja: competente, expedita e atenciosa com os colonos, que considerava heróis, por enfrentarem (com mulher e filhos) um ambiente tão hostil como à época era a nossa região.

Enquanto seo Lysandro (e o quadro dos necessários fiscais) comandava a “operação” derrubada da mata, a sua queima, coveamento e plantio do café (os ranchos de pau-a-pique, piso de chão batido e cobertura de tabuinhas, para abrigar as centenas de colonos e familiares já tinham sido erguidos), dona Maria se desdobrava, atendendo e instruindo a colonada e seus familiares, com mais atenção à saúde destes, ministrando-lhes noções e cuidados profiláticos, ingestão de remédios, aplicação de injeções e outras ações sanitárias, coisas absolutamente fundamentais, já que àquela época, a malária ou maleita – era voz corrente – “dava até em pau”.

O regime de trabalho era o de contrato anual, para colono com família (serviços na lavoura) e contrato mensal ou por dia, para outras atividades (escritório, carroceiro, carreiro, secagem e beneficiamento de café). A vida, apesar das dificuldades inerentes à época e ao próprio trabalho, era harmônica e amistosa, ao ponto de, em casamentos e batizados, os patrões servirem de padrinhos. Finda a semana (de segunda-feira ao meio-dia de sábado), era folga, quando, se fosse época junina, eram preparadas as caieiras, que se queimava à noite, sob o espoucar de rojões, busca-pés, acompanhados das deliciosas batatas-doces assadas, do indispensável quentão e por fim, da dança da quadrilha.

A fazenda fornecia gratuitamente lenha (tirada na palhada ou na mata), café em côco para uso familiar e áreas para cultivar arroz, milho e feijão para o seu gasto. O colono podia ter porcos no mangueirão coletivo, uma vaca em lactação no pasto da fazenda e um animal de sela ou montaria. A criação de galinhas e frangos era livre, tanto para o gasto e até para vender, quando havia procura. Os pagamentos aos empregados eram feitos mensalmente com “ordens ou vales” para compra de gêneros em armazém da fazenda ou do povoado, conveniado com a fazenda.

À ocorrência de emergências sanitárias ou médicas, a fazenda providenciava o necessário ao seu atendimento, assim como mantinha escola e professora para o ensino até o terceiro ano. Em suma, apesar das dificuldades reinantes, as lembranças da vida nas fazendas, ao menos no caso do autor, que nelas viveu até os 16 anos de idade, são lembranças agradáveis, ao ponto destas ainda hoje lhe trazerem prazer em rememorá-las.

* Walter de Oliveira, 88, nasceu em 1932, na Fazenda Pinto Lima. Serventuário da Justiça aposentado.

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